Por que você deve "ser você mesmo" no trabalho
Um dia, o chefe de Lucy Parsons chegou para trabalhar sem o habitual bigode. Era algo insignificante, mas ela ficou estressada. Deveria mencionar? Seria de bom tom fazer uma brincadeira ou pelo menos perguntar o que aconteceu?
Naquela época, ela tinha 23 anos e havia acabado de concluir o programa de trainee da empresa. Estava trabalhando em projetos interessantes e sua carreira parecia promissora. Mas precisou se esforçar para entender as regras tácitas do mundo corporativo.
"Era uma análise constante do que eu podia dizer, do que eu não podia dizer, do que eu deveria fazer, do que eu não deveria fazer", lembra.
Muita gente compartilha da ansiedade de Lucy. Se for pensar bem, muito do que fazemos no trabalho vem acompanhado de algum risco. O que acontece se alguém não gostar de um aspecto da sua personalidade? Qual é o limite entre ser amigável e se tornar inconveniente? Quanto de "você mesmo" é seguro deixar transparecer no trabalho?
Ao que parece, a forma como as equipes permitem que as pessoas "sejam elas mesmas" no trabalho tem implicações importantes. Uma pesquisa recente sugere que ambientes corporativos em que os funcionários se sentem capazes de assumir riscos interpessoais não apenas têm um desempenho melhor como também são mais criativos e propensos a resolver problemas de maneira eficiente.
Essa abordagem, chamada de "segurança psicológica", tem muitos benefícios. Mais do que isso, está mudando os locais de trabalho de formas surpreendentes.
Por que a segurança supera o talento
Pode ser difícil se posicionar no trabalho ou discordar de um colega. Em alguns ambientes, há um risco real de ser constrangido, rejeitado ou até mesmo punido por isso. Segurança psicológica significa ser capaz de assumir esses riscos de forma segura.
"É ser capaz de compartilhar ideias diferentes sem se sentir marginalizado", explica Alexander Newman, psicólogo e pesquisador da Universidade Deakin, na Austrália.
Isso prevê atitudes e comportamentos como ser capaz de falar sobre problemas e apontar obstáculos, pedir ajuda ou simplesmente ser diferente sem se sentir rejeitado.
O conceito foi definido em um artigo acadêmico de 1999 por Amy Edmonson, pesquisadora da Universidade Harvard, nos EUA, que estudou como uma equipe "obtém e processa informações que permitem que ela se adapte e aprimore", habilidade que ela chamou de "comportamento de aprendizagem". Ela descobriu que quanto mais segura era a equipe, mais eles aprendiam.
Edmonson vislumbrou a importância de suas descobertas: "Diante da promessa de cada vez mais incerteza, mudanças e menos estabilidade de emprego nas organizações, as equipes estão em posição de fornecer uma fonte importante de segurança psicológica para os indivíduos no trabalho".
Desde então, descobriu-se que a segurança psicológica também está associada a um melhor desempenho e a uma maior criatividade das equipes. A nível individual, os pesquisadores dizem que há um efeito positivo no engajamento e comprometimento.
O conceito entrou na moda depois que um estudo do Google de 2016 mostrou que as equipes com melhor desempenho não eram aquelas com os funcionários mais capazes ou talentosos, mas aquelas que se destacavam trabalhando juntas. Por sua vez, o melhor indicador de uma boa equipe acaba sendo sua segurança psicológica, diz um guia interno.
As pessoas que trabalham nesses grupos "são menos propensas a deixar o Google, têm mais chance de aproveitar ideias diferentes de colegas de equipe, geram mais receita e são classificadas como duas vezes mais eficientes pelos executivos", escreveu Julia Rozovsky, principal pesquisadora da gigante de tecnologia.
A segurança psicológica parece o equivalente a uma droga milagrosa para a área de recursos humanos, mas a maneira de alcançá-la parece contraintuitiva. Em equipes nas quais o "pensamento de grupo" é dominante ou nas quais cometer e reconhecer erros é algo dispendioso, os funcionários tendem a fortalecer sua posição individual e parecer menos vulneráveis aos colegas.
Mas é necessário exatamente o comportamento oposto para alcançar a segurança psicológica: as equipes precisam aceitar a vulnerabilidade para "reduzir o custo" de assumir riscos.
"Quanto mais seguros os membros da equipe se sentem entre si, maior a probabilidade de admitir erros, fazer parcerias e assumir novas funções", escreve Rozovsky, do Google.
Dar voz aos funcionários
Para fazer isso, deve haver um exercício de empatia. "Você precisa garantir que as pessoas respeitem as opiniões dos outros", diz Newman, da Universidade Deakin, na Austrália.
Os funcionários não devem apenas ouvir, mas entender a perspectiva de seus colegas. Se você sabe por que alguém agiu de determinada maneira, você se sente menos inclinado a julgar.
Isso é especialmente verdadeiro para pessoas que têm dificuldade de compreender as normas de um grupo, acrescenta Newman, como funcionários muito jovens ou tímidos, ou aqueles que enfrentam barreiras culturais. Se eles se sentem incompreendidos ou marginalizados, têm menos vontade de se destacar e de mostrar o que têm a oferecer.
Não há muitas pesquisas sobre qualquer possível ligação com a saúde mental, mas a experiência de Parsons indica que pessoas que trabalham em ambientes inseguros podem pagar um preço alto.
"Eu estava muito deprimida, ganhei muito peso. Passei muito tempo no escritório chorando e, por fim, alguém notou. Isso piorou as coisas, é claro", conta.
A segurança psicológica é particularmente importante para extrair o melhor de uma equipe de trabalho diversa (e pesquisas recentes sugerem que a diversidade pode beneficiar a lucratividade). Newman explica que em ambientes seguros "as minorias tendem a se manifestar mais" e são mais produtivas.
Um artigo de pesquisa dos EUA mostrou que a segurança psicológica permite que os funcionários representantes de minorias "mitiguem os medos individuais associados à expressão da identidade, abrindo caminho para o desempenho individual".
Talvez a segurança psicológica seja parte da razão pela qual décadas de denúncias sobre questões de gênero e raça no trabalho, como o movimento #MeToo, estão começando a vir à tona.
"Antigamente, a maioria das organizações era movida pelo medo", diz Thom Dennis, consultor de psicologia do trabalho. Isso silenciou as vítimas por décadas, mas agora "elas estão se sentindo fortalecidas o suficiente para fazer algo a respeito".
Como criar um ambiente seguro
A segurança psicológica é principalmente uma característica das equipes, não das organizações - alguns times dentro da mesma empresa serão mais confiantes do que outros. Portanto, criar segurança psicológica não pode ser uma iniciativa "de cima para baixo".
A segurança psicológica depende das normas do grupo. Ao contrário das regras explícitas, as normas são convenções e padrões compartilhados - não necessariamente redigidos ou explicados em voz alta.
Alguns grupos podem impor mais consenso que outros, estar mais abertos a questionar a liderança, aceitar e corrigir erros ou encorajar os membros mais jovens a expressar opinião.
Você provavelmente não vai encontrar nada disso em um contrato de trabalho oficial, mas todos os pontos são cruciais para criar um ambiente mais seguro.
Alguns gestores podem tender a deixar suas equipes mais seguras, se tiverem traços de personalidade como empatia ou disposição para escutar. Ainda assim, a segurança psicológica não é algo que acontece por acaso - há atitudes que as lideranças podem tomar para incentivá-la.
Na opinião de Dennis, os gestores devem avaliar a maneira que exercem poder e influência. Um chefe imponente, que se ofende ao ser questionado ou precisa dar a última palavra, costuma deixar as equipes bastante inseguras. Em muitos casos, diz ele, a mudança precisa começar no topo.
"Parte da prospecção de um bom líder é entender o que move seu ego", afirma.
Outra característica da segurança psicológica é aceitar o fracasso. A atitude do Vale do Silício de tolerar erros ou até mesmo celebrá-los parece um caminho mais saudável do que condená-los. "Grupos em que os erros não são criticados são mais seguros do ponto de vista psicológico", diz Newman, da Universidade Deakin.
Mostrar vulnerabilidade também pode funcionar. De acordo com o jornal americano The New York Times, um gerente bem-sucedido do Google que estava tentando aplicar as descobertas de Rozovsky para levantar a moral da equipe pediu a todos os funcionários para compartilhar algo sobre si mesmos. Ele foi o primeiro:
"Acho que uma das coisas que a maioria das pessoas não sabe sobre mim é que tenho câncer em estágio 4." Após a revelação, todos se sentiram mais livres para discutir questões difíceis de trabalho, reportou o jornal.
O segredo é permitir que as pessoas falem honestamente. Na opinião de Dennis, as empresas devem criar ambientes seguros no trabalho, porque as informações sobre problemas tendem a ficar retidas no caminho até o topo, e os grupos psicologicamente inseguros podem muito bem passar despercebidos pelas equipes de recursos humanos ou lideranças.
Newman diz que os gestores devem encorajar explicitamente os funcionários a expressar suas próprias opiniões e promover um clima de respeito.
É um esforço que vale a pena. A experiência de Parsons mostra como a segurança psicológica pode ser tão sutil e profunda. Não havia nada errado de fato com a empresa, diz ela, o ambiente não era tóxico e as pessoas eram todas muito competentes. O problema estava na cultura, era algo tão sutil que seu chefe ficou muito surpreso quando ela pediu demissão.
"Como um cara que sentava a duas mesas de mim, com quem eu falava várias vezes ao dia, todos os dias, não percebeu que eu estava me sentindo tão mal?", se pergunta.
Isso tudo aconteceu há nove anos, mas ela ainda parece perplexa.
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